Os Versos de Ouro de Pitágoras

por António Monteiro

 

Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Raffaello Sanzio (1509).

 

Pitágoras de Samos (do grego Πυθαγόρας) foi um filósofo e matemático grego que nasceu em Samos entre cerca do ano 570 a.C. e 571 a.C. e morreu em Metaponto entre cerca do ano 496 a. C. ou 497 a.C. A sua biografia está envolta em lendas. Diz-se que o nome significa altar da Pítia ou o que foi anunciado pela Pítia, pois mãe ao consultar a pitonisa soube que a criança seria um ser extraordináriol. Pitágoras foi o fundador de uma escola de pensamento grega denominada em sua homenagem de pitagórica.


 

Os Versos de Ouro, tradicionalmente atribuídos a Pitágoras (c. 580 a.C - 500 a.C), constituem um documento de valor inestimável e que, apesar de escritos há cerca de 2.500 anos, mantêm total actualidade.

Não se sabe, ao certo, quem foi o seu autor, mas é Lísis[1] quem  parece reunir maior consenso entre os estudiosos. A cópia mais antiga que chegou até nós é de Hierocles de Alexandria[2], da qual foram feitas diversas traduções para línguas modernas, as quais, no entanto, apresentam algumas diferenças.

 

Preparação

  1. Primeiro, adora os Deuses Imortais, como eles estabeleceram e ordenaram na Lei.
  2. Reverencia o Juramento, e a seguir os Heróis, plenos de bondade e luz.
  3. Honra igualmente os Demónios Terrestres prestando-lhes o culto que lhes é legalmente devido.

Purificação

  1. Honra igualmente os teus pais, e aqueles que te são mais próximos.
  2. De todo o resto da humanidade, faz teu amigo aquele que se distinguir pela sua virtude.
  3. Ouve sempre as suas pacíficas exortações, e toma como exemplo as suas virtuosas e úteis acções.
  4. Evita tanto quanto possível odiar os teus amigos por faltas insignificantes.
  5. E compreende que poder é um vizinho próximo da necessidade.
  6. Sabe que todas estas coisas são como as disse a ti; e habitua-te a superar e a vencer estas paixões:
  7. Primeiro a gula, preguiça, luxúria e ira.
  8. Não faças nada de mal, nem na presença de outros, nem em privado,
  9. Mas acima de tudo, respeita-te a ti mesmo.
  10. A seguir, observa a justiça nos teus actos e nas tuas palavras,
  11. E não te habitues a comportares-te em todas as coisas sem regra e sem razão,
  12. Mas considera, sempre, que é ordenado pelo destino que todos os homens morram,
  13. E que os bens da sorte são incertos; e que como podem ser adquiridos, assim podem ser igualmente perdidos.
  14. No que concerne a todas as calamidades que os homens sofrem pela divina fortuna,
  15. Suporta, com paciência, o teu fado, seja ele qual for, e nunca te lastimes,
  16. Mas esforça-te no que puderes corrigir.
  17. E leva em consideração que o destino não envia a maior porção destas desgraças aos homens bons.
  18. Há entre os homens muitas formas de raciocinar, boas e más;
  19. Não os admires nem os rejeites com muita facilidade. 
  20. Mas se forem ditas falsidades, ouve-os com suavidade, e arma-te com paciência.
  21. Observa bem, em todas as ocasiões, o que te vou dizer:
  22. Não deixes que nenhum homem, seja por palavras, seja por actos, te seduza,
  23. Nem te seduzas tu ao dizeres ou fazeres o que não for proveitoso para ti mesmo.
  24. Informa-te e delibera antes de actuares, para que não cometas acções disparatadas,
  25. Porque isso é próprio de um homem miserável: o falar e actuar sem reflectir.
  26. Mas faz o que mais tarde te não afligir nem te causar arrependimento.
  27. Nunca faças nada que não compreendas.
  28. Mas aprende tudo o que tens obrigação de conhecer, e assim levarás uma vida feliz.
  29. De nenhum modo neglicencies a saúde do teu corpo;
  30. Mas dá-lhe bebida e comida na justa medida, e exercita, também, o que de tal tiver necessidade.
  31. Por medida quero dizer o que te não incomoda.
  32. Habitua-te a um estilo de vida simples e decente, sem ostentações.
  33. Evita tudo o que suscitar inveja,
  34. E não sejas perdulário sem motivo, como alguém que não sabe o que é decente e honroso.
  35. Nunca sejas cobiçoso nem avarento; a justa medida é excelente nestas coisas.
  36. Faz apenas aquilo que não pode ferir-te e pondera cuidadosamente antes de o fazeres.

Perfeição

  1. Nunca permitas que o sono feche os teus olhos, depois de teres ido para a cama,
  2. Até teres examinado, com a tua razão, todas as tuas acções do dia:
  3. Em que é que eu errei? O que é que eu fiz? O que é que eu não fiz e que devia ter feito?
  4. Se neste exame achares que fizeste mal, repreende-te severamente;
  5. E se fizeste algo bom, regozija-te.
  6. Pratica minuciosamente todas estas coisas; medita bem nelas; deves amá-las com todo o teu coração;
  7. Elas irão pôr-te no caminho da virtude divina.
  8. Eu o juro por aquele que passou para as nossas almas a Tetraktis Sagrada, a fonte da natureza, cuja causa é eterna.
  9. Mas nunca deites mão a nenhuma obra antes de teres, em primeiro lugar, rogado aos deuses que aperfeiçoem o que vais começar.
  10. Quando fizerdes disto um hábito familiar,
  11. Conhecerá a constituição dos Deuses Imortais e dos homens.
  12.  Verás quão extensa é a diversidade dos seres e aquilo que os contém e os mantém presos;
  13.  Igualmente saberás que, de acordo com a Lei, a natureza deste universo é semelhante em todas as coisas;
  14. Deste modo não terás de esperar o que não deves esperar; e nada neste mundo te será oculto.
  15. Igualmente saberás que os homens lançam sobre si mesmos as suas próprias desgraças,  voluntariamente, e por sua própria e livre opção.
  16. Infelizes que eles são! Nem vêem nem compreendem que o seu bem está junto deles.
  17. Poucos sabem como se livrar das suas desgraças.
  18. Tal é o fado que prende a humanidade, e lhe rouba a consciência.
  19. Como grandes ondas, rolam de um lado para o outro e oprimem-se com males inumeráveis.
  20. Pois uma luta fatal, inata, persegue-os por toda a parte, sacudindo-os para cima e para baixo; nem eles percebem isso.
  21. Em vez de provocarem e excitarem isso, deviam evitar isso tornando-se úteis.
  22. Oh! Zeus, nosso Pai! Se não libertares os homens de todos os males que os oprimem,
  23. Mostra-lhes de que demónios se devem servir.
  24. Mas toma coragem; a raça do homem é divina;
  25. A natureza sagrada revelar-lhes-á os mais recônditos mistérios;
  26. Se ela te revelar os seus segredos, facilmente realizarás todas as coisas que te recomendei
  27. E pela cura da tua alma, libertá-la-ás de todos os males, de todas as aflições.
  28. Mas abstém-te de carnes que nós proibimos nas purificações e na libertação da alma;
  29. Faz uma distinção justa das mesmas e examina bem todas as coisas.
  30. Deixando-te, sempre, guiar e ser dirigido pela compreensão que vem do alto e que deve segurar as rédeas,
  31. Quando, tendo-te despojado do teu corpo mortal, chegares ao mais puro Éter,
  32. Serás um Deus imortal, incorruptível e a Morte não mais terá domínio sobre ti.

 

UM BREVE  COMENTÁRIO

 

Versos 1 a 3 – É curioso notar a hierarquização dos seres espirituais em deuses, heróis ou semideuses, e demónios terrestres, e o facto de se situarem abaixo do Deus Criador, a quem os Deuses Imortais prestaram um Juramento que deve ser reverenciado, o de preservar todas as coisas nos seus lugares, e manter a beleza e a harmonia do Universo.  Os Demónios Terrestres serão, em minha opinião, os Egos de homens justos e bons que já alcançaram a libertação do ciclo de morte e vida, ou estão prestes a alcançá-la, isto é, altos Iniciados. Recorde-se que Sócrates dizia ter, como companheiro, o seu demónio.  

Versos 40 a 44 – Trata-se, evidentemente, do exercício de Retrospecção que Max Heindel nos transmitiu e que tanto prezava.

Verso 47 – Este juramento é feito perante o próprio Pitágoras, de onde a hipótese de Os Versos de Ouro não terem sido escritos por  ele, mas por um dos seus discípulos.

A Tetraktis[3] é o número quaternário, ou o 10 formado pela adição dos quatro primeiros números (1+2+3+4), um dos conceitos fundamentais na doutrina pitagórica. O quatro simboliza a terra, a totalidade do criado e do revelado, sendo a totalidade do criado também a totalidade do perecível. Pitágoras dizia que a nossa alma é formada pela tetraktis, ou seja a inteligência, a ciência, a opinião e a sensação.

Verso 62 – Estes demónios são os seus próprios Egos superiores, porque vê-los e conhece-los significa estar livre  de todos os males.

 


[1] Discípulo de Pitágoras, um dos poucos que escaparam à perseguição movida pelo tirano Cílon, como vingança de ter sido rejeitada a sua admissão à Escola de Crotona. Lisis fugiu para a Grécia e fixou-se em Tebas, onde foi amigo e mestre de Epaminondas.   

[2] Hierocles de Alexandria (Sec V A.D.), filósofo neoplatonista, que se notabilizou por volta do ano 430. Foi discípulo de Plutarco e ensinou durante alguns anos em Alexandria, de onde, porém, terá sido banido. Mudou-se para Constantinopla, mas as suas opiniões religiosas foram tidas como tão ofensivas que foi preso e  chicoteado. A única obra completa que chegou até nós é o seu comentário a Carmina Aurea de Pitágoras.

   Não confundir esta personagem com outras com o mesmo nome e também relacionadas com Alexandria.

[3] Τετρακτΰς, em grego


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