Eduardo Aroso

 PORTUGAL E A ESPERANÇA DE UMA «FUGA PARA O EGIPTO» (1)

Tal como José e Maria não tiveram, segundo a tradição bíblica, lugar na hospedaria e foram, por isso, obrigados a pernoitar num estábulo fora da cidade, assim Portugal parece não ter espaço no lugar da hospedaria europeia, hotel de desenvolvidos, e que não se sabe bem onde está situado. Mas ainda há esperança de que algo possa nascer entre nós, para remissão de tanto desperdício, de tanto bater fora do tempo e, mais do que tempo, do lema perdido no nevoeiro ou no vento.

Se assim for, não é de esperar pequenas correcções, no jeito de enganosos reformismos que disfarçam, entre outros, a lamentável falta de vontade de quem passa muitas horas exposto à luz artificial. Do mesmo modo que não seria sensato atitudes revolucionárias, sempre «o modo violento de deixar tudo na mesma», no dizer de Pessoa. Provavelmente é no irracional, melhor, no trans ou ultra-racional, como gostam alguns, que podemos ver alguma esperança em acção. Talvez a coragem que admite uma espécie de princípio de indeterminação, conquanto não vejamos o assunto pelo lado do absurdo acaso. Todavia, qualquer que seja esse índice de indeterminação (pois talvez Deus deixe os pormenores para os homens se exercitarem), tomemos o pensamento de Sampaio Bruno: O Desejado está em cada homem e no seu constante devir. Pelo lado estritamente pragmático-racional é de ver que tudo ou quase tudo tem sido ensaiado sob a sigla de estatísticas, correcções, planificações, legislações, análises e restrições.

Gosto de repetir a frase: os Salvadores existem (e aparecem) quando alguém, ou alguma coisa urge ser salva. E a verdade é que surgem por inoperância arrastada dos que os condenam. Porque estes transferem a sua mediocridade indo além de Pilatos: não lhes basta a indiferença; é preciso condenar ao gosto das massas. Felizmente que no dia-a-dia ninguém de boa-fé duvida do acto salvífico de um bombeiro quando traz uma criança nos braços, que caiu ao mar ou num qualquer precipício. Os abismos existem, e todos sabem que nalguns casos tem havido uma mão imprevista que impede um ou outro acto menos acertado. Mão, como diz o Povo, que pode ser a chamada boa consciência. Historicamente, Portugal tem tido uma boa consciência, mesmo quando acontecimentos de percurso provocaram ligeiros abalos sísmicos. Todavia, isso parece não ter sido registado na super-consciência ou, como gostamos de dizer, na transcendência de Portugal. Mesmo nos embates desde o positivismo a algum “pensamento transgénico” mais recente, saímos sempre robustecidos no músculo espiritual. Porque, como disse Einstein, «Deus não joga aos dados», e salvas as devidas distâncias, Portugal também não, daí tudo parecer, no plano externo, uma turbulência indomável ou um marasmo inquietante.

Se não tivesse essa super-consciência, um pouco letárgica mas ainda assim sustentadora de vida, hoje o pacífico rectângulo à beira-mar ensolarado seria uma aprazível Suíça dos investimentos e depósitos. Mas não. Deu muito de barato, excepto em circunstâncias como os anos excessivos das especiarias e do ouro do Brasil e a expulsão dos judeus; casou fora da terra, sabendo decerto que os filhos teriam várias cores; plantou sementes sem cuidar dos celeiros; deixou siglas de convívio quando não havia cartas de direitos humanos, sendo que mostrou antecipadamente o modelo da diplomacia como o descreve a Carta de Pêro Vaz de Caminha da chegada a Terras de Santa Cruz; entendeu, a páginas tantas, e antes de outros, que seria bom acabar com a pena de morte, ainda que aqui não fosse “o admirável mundo novo”!

Agora, a manter-se a actual situação de Portugal de dormir fora da hospedaria da Europa, é muito provável que venha a acontecer algo semelhante àquilo que se deu com os nossos reis da primeira e da segunda dinastias. Por exemplo, nas relações com a Santa Sé éramos todos pela mesma causa, mas ao que ao Povo não convinha, de facto, os monarcas agiam habilmente com uma espécie de diplomacia atávica que estaria por cá não se sabe como. D. Afonso Henriques deu logo o exemplo com um golpe de intuição apoiando Inocêncio II em vez de Anacleto II, e com isso ganhou o destino de ter a grande chama de Bernardo de Claraval.

Hoje, porém, neste tempo em que os governantes nada têm com a alma do Povo que os elege (por isso já lhe começaram a chamar votantes), paradoxalmente, ou naturalmente, é este mesmo Povo que há-de resolver muitos assuntos. Soprará, uma, duas, três vezes, na manta de retalhos desintegradores que vai cobrindo e confundindo Portugal. Mas enquanto há vida há esperança. Serão pescadores (quem sabe, os enigmáticos que nos fixam nos Painés de Nuno Gonçalves), agricultores que há muito não vêm a terra verdejar e florir, professores, profissionais de saúde a quem será dado tempo para cuidar de seres e não de estatísticas, empregados disto e daquilo, em alegre estímulo, comerciantes e industriais construtivos, e inventores já fartos de esperar para colocar em acção os seus inventos, que terão já perguntado onde é a sede da “Europa Unida”. Verão que de lá só vem o maná do chão que se esgota depressa sem deixar obra desejável (ou a que poderia ser feita) e muito menos a indelével inscrição na nossa consciência temporal e na nossa cultura, o que pode dar origem a uma espécie de “buracos negros” na nossa História.

Terão perguntado também que espécie de bíblia ou de constituição é que a Europa escreveu recentemente para nos unir e moralizar a todos sob o signo da justiça social e da igualdade de oportunidades, igualdade esta que deve ser a de deixar cada Povo ser o que é, chamando-se então a isto, antes de mais, a inadiável oportunidade histórica.

Ou será que a CEE tem também um rei Herodes que manda matar as criancinhas (enfraquecer economicamente, podendo, por exemplo, não as deixar pescar como deve ser onde nasceram) com medo que lhe estraguem o reino?

Seja como for, a solução para Portugal pode muito bem ser a de uma «fuga para o Egipto»: de noite, colocando “as ferraduras ao contrário”, isto é, fazendo as coisas como alguns dos nossos sábios reis de antanho (pois também de certo modo eram magos), resolvendo as coisas ao seu jeito. A superior razão de Sampaio Bruno pode dar razão ao nosso tempo: O Desejado está no devir do Homem, e - dizemos nós - para interpretar a profunda complexidade psíquica e espiritual a que se chama Povo, pode bastar uma só figura. Então ele é o Povo, naquela hora, naquela circunstância. Povo, com letra maiúscula, de quem Miguel Torga falou dum modo crucial quando há cerca de trinta anos advertiu os republicanos da III República para que não lhe jurassem [ao Povo] o «seu santo nome em vão».
O filósofo José Marinho observou que é na governação que o nosso messianismo profético mais se tem desenvolvido, daí que, com ou sem laicismo, a política tem tomado as rédeas da salvação. Os governantes navegam assim com o vento de feição. É mais fácil, porque essa é mais visível; a outra para muitos pode ser ou não ser e está ainda tão distante...

O que nos darão os pseudo-salvadores (negando, por isso, os verdadeiros), que prometem a “salvação” de Portugal em quatro ou cinco anos? Ou teremos que esperar pelos republicanos da IV República?

Portugal, 1 de Janeiro de 2006
Eduardo Aroso

 
(1) Sinal Primeiro neste Ano Comemorativo do Centenário de Agostinho da Silva.

 

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