Fiama Hasse de Pais Brandão e Os Hinos à Noite de Novalis


Modesta Homenagem em Breve Apontamento

Já Eugénio de Andrade escrevera que a poesia é inimiga do poético. Nesta aparente contradição se compreende a relação de Fiama com o público, no que toca à arte do verso. Preferiu a poesia ao palco, não no sentido do vero teatro, no qual também deixou obra de registo, mas no de uma atitude em que a poesia se basta a si mesma, e nisto tem a perene vitalidade que dispensa modismos de adrenalinas injectadas a gosto. Tão universal no princípio como no seu último verso, que fica sempre como mote para um recomeço de um breve fechar de pano. A vida bastou-lhe como afirmação.

Há todavia em si uma densa sensibilidade lunar e uma outra, solar, no mistério que é sempre a alma de um poeta. «...O Sol/ que perpassa em cumes e em cristas/ nasce nas arestas serranas do nascente/ e vai até ao mar em sete versos».

No sentir apolíneo poderíamos dizer que foi socialmente vigilante, por exemplo, em Barcas Novas, também, é certo, escrito numa idade em que o sangue está mais ligado ao corpo do que ao espírito. Recordamos o seu poema que Adriano Correia de Oliveira cantou (tivemos o privilégio de o ter acompanhado à “viola” uma única vez) com aquela voz de trovador, inquieta, inocente e simultaneamente doída, festiva e dolente. «São de guerra as barcas novas/ Sobre o mar com a sua guerra/ Barcas novas levam guerra/ E as armas não lavram terra». Ígnea forma de vida que levava Fiama a sentir as barcas enquanto nota dissonante no status quo de então; embarcações que anunciavam já outro manhã.

Mas é porventura o aspecto lunar (veja-se um dos seus primeiros poemas: «Mulher/que não canta/entretanto/cantá-la-emos») no mais fecundo sentido do termo, na acepção que há no Caos como possibilidade infinita e actuante, reorganizador de todas as forças, que podemos descortinar uma maternidade da sua palavra poética sustentadora e sobretudo capaz de todas as metamorfoses de vida. Se pensarmos em «afinidades electivas» como diria Goethe, dir-se-ia que Fiama Hasse de Pais Brandão, no seu mais recôndito interior foi atraída a uma das obras-primas de Novalis, Os Hinos à Noite, páginas de um romantismo filosófico amadurecido que ainda hoje preenchem o nosso quotidiano, quando encetamos a fuga possível, como num jogo do tempo a duas dimensões. E se, na versão dessa obra para a Língua Portuguesa, a pitonisa da palavra não plasmou, obviamente, qualquer ideia ou conteúdo, o certo é que a prosódia rítmica e a musicalidade que imprimiu ao texto vertido para o nosso idioma, nos faz acreditar que a poetisa, ela própria, comunga dessa poesia medular (por isso mesmo redentora) que há na obra de Novalis. Páginas de rara sensibilidade, numa forma que se furta à vulgar classificação da chamada prosa poética, ou poesia na extensão de certa prosa, epítetos que só condicionam a unidade singular que há no sentimento do poeta alemão, e que uma alma portuguesa transfigurou pela sonoridade de uma língua carregada de ancestralidade galaica.

Noite como redenção, desde logo, dos movimentos cíclicos dos ditos fenómenos naturais; noite na sua aparente quietude, passividade e escuridão. Porque a chave, se procurada, só na lei cósmica das alternâncias. Lemos no primeiro trecho que «A luz descerrou noutros espaços os seus álacres panais. Pois não havia ela de regressar para junto dos seus filhos, que a esperavam há muito com a fé da inocência?»

É sabido que uma desmesurada e constante actividade de permanente ritmo diurno acabaria com o que resta de uma forma de atenção unitiva à vida (uma outra, hoje, também estranha forma de vida) que se extingue na proporção directa da preocupação com lucros e bens apenas materiais. Este estado do coração e um certo estado da nação não permitem o necessário distanciamento para a visão fulgurante e serena da vida. «Mais celestes do que aquelas estrelas cintilantes nos parecem os olhos infinitos que a Noite em nós abre (...) Glória à rainha do mundo, à grande mensageira de mundos sagrados, a do amor extasiado –é ela que te envia até mim – doce amada – amável sol da noite – eis que estou desperto – porque sou teu e sou meu – revelaste- me a Noite como Vida – tornaste-me humano – devora de ardor espiritual o meu corpo para que, etéreo, eu possa misturar-me contigo mais intimamente, e seja então eterna a nossa noite de bodas» (Hinos à Noite).

O incidente (não acidente) que ocorreu no dia 19 de Janeiro com Fiama Hasse de Pais Brandão não é mais do que aquilo a que Pessoa chamou «a curva da estrada». Ele traz-nos o convite para uma nova leitura de Os Hinos à Noite, cuja primeira tradução, para a Assírio & Alvim, data de Setembro de 1988. Leitura apetecida à medida que a pujança solar, no calor externo dos dias, nos vai cobrindo da proximidade de nova primavera e depois verão. Aí se verá a noite como renovadora das forças julgadas incapazes, dos propósitos que se tornam exangues pelos venenos diários engajados. Aí se verá a noite plena (comungaremos também com Álvaro de Campos), a mãe universal a serenar todos os actos desvairados, a encorajadora de todos os propósitos apagados. O relento nocturno é o sémen de recomeçar. É Fiama que no-lo diz num dos seus poemas: «Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida/ pelo movimento, pela forma, pelo nome,/voltamos ao zero irradiante...»

Já que a mão delicada de Fiama nos trouxe Novalis, na doce penumbra da Língua Portuguesa, então leiamos um pouco mais de Os Hinos à Noite: «Retirou-se a alma do mundo com todas as suas potências, para mais profundo santuário, para mais elevada sede do espírito – para aí reinar até romper o diurno esplendor do mundo. Não mais a Luz foi morada dos deuses ou indício celeste – sobre si lançaram o véu da Noite. A Noite era o poderoso seio das revelações – e a ele regressaram os deuses – nele se deixaram adormecer, para se lançarem em novas e magníficas formas, sobre o mundo transmudado».

Eduardo Aroso

23-1-07

 

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Fiama Hasse de Pais Brandão

Fiama Hasse Pais Brandão nasceu em 1938, em Lisboa. Poetisa, dramaturga, ficcionista e ensaísta. 

Viveu numa quinta em Carcavelos até aos 18 anos, tendo então mudado para Lisboa, de onde saiu em 1992 para voltar a viver numa quinta.
Foi aluna do Colégio Inglês de Carcavelos - St. Julian's School - durante dez anos e frequentou o curso de Filologia Germânica, até ao 3º ano, na Universidade de Lisboa. Exerceu crítica de teatro, acompanhou o trabalho do Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, estagiou em 1964 no Teatro Experimental do Porto, frequentou um seminário de Teatro de Adolfo Gutkin na Gulbenkian em 1970. Em 1974, foi um dos fundadores do Grupo "Teatro Hoje", sendo a sua primeira encenadora com Marina Pineda, de Lorca. 

Tem feito pesquisa histórica e literária sobre o séc.XVI em Portugal. 

Tem feito traduções do Alemão, do Inglês e do Francês, de autores como John Updike, Bertold Brecht, Antonin Artaud, Novalis, Anton Tchekov e do Cântico Maior, atribuido a Salomão.

Revelada, como Gastão Cruz, no movimento Poesia 61, que revolucionou a linguagem poética portuguesa dos anos 60, Fiama veio a demonstrar ser uma das principais vozes poéticas da sua geração. A sua obra caracteriza-se por uma grande densidade da palavra, o uso de uma poesia discursiva, por vezes fragmentária, de grande rigor e depuramento formal, desde Barcas Novas (1967), seu segundo livro, sempre entrelaçando no discurso a metáfora e a imagem. Com a publicação de Obra Breve (1991), Fiama procede a uma reorganização de toda a sua obra poética até à data, incluindo inéditos, de acordo com uma ideia de poesia como processo vivo. 

Como dramaturga, é autora de várias peças, algumas das quais já representadas em Lisboa, Rio de Janeiro e Nancy.

Fonte:
http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Fiama%20Hasse%20P.Brandao.htm#Biografia

 

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