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 Laboratório Mágico  | 
 
A ressurreição corporal judaica
Antonio de 
Macedo
 
Independentemente da catequese divina, vertical, na 
qual insistimos, também é verdade que se verificaram e verificam influências 
horizontais, a história assim o atesta (ambas se complementam em direcção a um 
mesmo Alto Desígnio!), e por isso não tem nada de singular o facto de certas 
crenças egípcias terem passado para os Hebreus, como vimos, embora com um 
faseamento histórico diferente e até com significativas modificações de 
conteúdo.
No hebraísmo primitivo, a que poderíamos chamar período patriarcal, 
e durante bastantes séculos da história judaica, o destino post-mortem 
praticamente não existia (cf. supra, pp. 100-102), de modo que a justiça de 
Jahvé, para poder ser aceite e reconhecida, tinha de se exercer, com seus 
prémios e castigos, enquanto os seres humanos viviam neste mundo como nos 
testemunha, por exemplo, uma das secções mais antigas do livro de Job, redigida 
provavelmente antes do século VIII a. C. mas que teria fixado uma tradição oral 
remontando aos séculos XII ou XIII a. C. Nesse trecho se estabelece um confronto 
entre a árvore, que mesmo cortada pode reverdecer, e o homem para o qual tudo 
termina com a 
morte:
                                                          Há 
sempre esperança para uma 
árvore:
                                                          mesmo 
caída, pode recomeçar a 
viver…
                                                          Mas um ser 
humano? Morre, e morto 
permanece,
                                                          solta o 
último suspiro, e para onde 
vai?…
                                                          Um ser 
humano, uma vez caído, nunca mais se 
reergue,
                                                          os céus 
desaparecerão e ele não 
despertará…
                                                          Acaso 
podem os mortos voltar à vida? - Job 14, 7.10.12.14.
Como é que na 
mentalidade hebreia surgiu e se desenvolveu a fé numa vida após a morte e numa 
justiça retributiva ultraterrena ?
Sugerem alguns historiadores que esta 
crença se formou durante a helenização do Médio Oriente e se consolidou 
sobretudo a partir do século II a. C. com as perseguições religiosas praticadas 
pelo selêucida Antíoco IV, o Epífano (215-164 a. C.), monarca do reino 
helenístico da Síria. Depois de ter invadido e ocupado o Egipto, Antíoco virou 
os seus apetites para Israel que tentou igualmente absorver, e desta musculada 
tentativa da sua ambição e dos seus exércitos resultou um extenso rol de 
destruições e pilhagens bem como a chacina dos Judeus mais ortodoxos que se lhe 
opunham, sobretudo os Hasidim . Antíoco assolou Jerusalém e decretou a pena de 
morte para quem prestasse culto a Jahvé; ergueu no Templo da cidade um altar a 
Zeus Olímpico e ordenou que se fizessem sacrifícios diante dum ídolo à sua 
própria imagem. Judas Macabeu, chefe da oposição judaica à ocupação 
sírio-helénica, pôs-se à frente dos Hasidim e empenhou-se numa guerra sem 
quartel contra o invasor.
A tradicional teodiceia judaica, patente nos mais 
antigos livros da Bíblia, em que as penalidades e as recompensas sobrevinham por 
deliberação e intervenção divinas durante a vida terrena, sofreu um vigoroso 
abanão com estas perseguições de Antíoco e das suas tropas. Com efeito, aquele 
conceito de uma divina justiça actuando regularmente e directamente no mundo 
físico revelou-se incapaz de dar conta do que se passava e de consolar as 
piedosas vítimas: nesses conturbados tempos eram precisamente os bons e os 
justos que padeciam os mais duros castigos, enquanto os apóstatas floresciam e 
prosperavam!
Os textos do Antigo Testamento vão-nos testemunhando como estes 
e outros factos históricos igualmente escandalosos para os Israelitas (o exílio 
babilónico, por exemplo, no século VI a. C.) foram induzindo no ânimo dos 
perseguidos a ideia dum futuro prémio para os bons, que sacrificaram a vida pela 
causa de Israel, e dum futuro castigo para os ímpios perseguidores. No primitivo 
hebraísmo, tal como nos testemunha por exemplo o Génesis, o ser humano era uma 
"unidade de força vital", porque o seu corpo de carne (bâsâr) não só tinha um 
alento vital (nephesh) - por vezes apressadamente identificado com a "alma" - 
mas também um sopro espiritual (ruach) provindo de Deus. Aliás, o Prof. Sid Z. 
Leiman, catedrático de História e Literatura Judaicas na Universidade de 
Brooklyn, chama a atenção para um pormenor significativo: o ser humano não 
possuía um nephesh, diz ele, mas era um nephesh, e cita o Génesis: "…Wayehi 
ha-adam le-nephesh hayya" ("… e o homem tornou-se um ser vivente") (Génesis 2, 
7). Na prática, e nesses antiquíssimos tempos, nephesh e ruach quase se 
indistinguiam, e não podiam ter uma existência separada, fora do corpo; por 
conseguinte, com a morte, todo o conjunto se dissolvia e apenas uma vaga sombra 
permanecia no sheol. Foi só a partir do momento em que os Hebreus sentiram a tal 
necessidade dum futuro prémio ou castigo, sobretudo a partir do século II a. C., 
como vimos, que o termo nephesh começou a ser encarado como uma entidade 
psíquica com existência independente do corpo.
Porém, já nesse tempo e mais 
ainda posteriormente, as diferentes escolas judaicas não se entendiam nem se 
coadunavam quanto ao que deveria acontecer após a morte, havendo mesmo sérias 
rivalidades, nalgumas delas, quanto à validez de se irem buscar as velhas ideias 
egípcias de ressurreição e concomitante retorno dos corpos…
Vejamos um caso 
típico registado por Flávio Josefo no Bellum Judaicum, respeitante às disputas 
doutrinais do seu tempo (primeiro século da era cristã) sobre a morte e a vida 
após a morte, por exemplo entre os saduceus e os fariseus. Estes últimos, que 
expressavam as ideias duma classe média mais liberal, seguiam a Lei escrita de 
Moisés - a Torah - mas complementavam-na com a tradição oral e admitiam, por 
exemplo, a ressurreição dos mortos e até, em certos casos, a reencarnação das 
almas em vários corpos sucessivos (cf. Epifânio de Salamina, Panarion I, 16); em 
contrapartida os saduceus, que se reclamavam da linhagem de Sadoq, 
sumo-sacerdote de Salomão (1 Reis 2, 35) e contemporâneo do célebre Iniciado 
Nathan da Irmandade dos Profetas, recusavam seguir outra Lei que não fosse a 
Torah (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, ou Pentateuco) e negavam 
a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos após a morte e a existência de 
espíritos angélicos. Por sua vez a comunidade essénia, cujos fundamentos 
iniciáticos esbocei e resumi na terceira parte deste livro, no bloco "Diálogo 
entre Cristo e Buda", não deixou textos exotéricos, explícitos, sobre essa 
matéria: "A bem-aventurança dos eleitos tal como vem descrita na Regra da 
Comunidade ou no Documento de Damasco está muito mais próxima da "imortalidade 
da alma" do que da "ressurreição da carne" […] São surpreendentes a ambiguidade 
e a imprecisão, para não dizer a falta de provas, na literatura da seita de 
Qumrân sobre a ressurreição, individual ou geral" .
A ideia de uma futura 
"ressurreição dos corpos" constituiu, no Judaísmo, uma novidade teológica que 
começou a tomar forma sobretudo a partir do século II a. C., como nos 
testemunham alguns textos bíblicos dessa época: Daniel 12, 2-3, Isaías 26, 9 ou 
o 2.º livro dos Macabeus (cf. supra, pp. 105-106). Certos estudiosos admitem que 
esta ideia pode ter tido origem, também, na antiga religião Iraniana em que a 
Grande Batalha Cósmica, dualística, entre a vida e a morte, acabará por ser 
ganha pela vida através da ressurreição dos mortos. Por outro lado a influência 
grega, na época helenística, ajudou a transformar a sombras do sheol em 
verdadeiras "almas", com uma existência imortal à margem e independentemente do 
corpo .
Aliás, certos passos do 2.º livro dos Macabeus deixam alguma dúvida 
se se tratará do conceito de "ressurreição dos mortos", ou, antes, de alguma 
forma de "reencarnação", isto é, de renascimento num novo corpo, naturalmente 
humano e por isso semelhante ao actual: no capítulo 7, que narra o martírio dos 
sete irmãos Macabeus às mãos do tirano Antíoco IV, deparamos com as seguintes 
frases:
"Ímpio brutal, podes arrebatar-nos a vida presente, mas o Rei do 
mundo reerguer-nos-á a fim de vivermos de novo para sempre, visto que morremos 
pelas suas leis" (2 Macabeus 7, 9).
"O céu deu-me estes membros; por amor às 
suas leis não me preocupo com eles; e dele espero recebê-los de novo" (7, 
11).
"A nossa é a melhor escolha, encontrar a morte pelas mãos dos homens, 
confiando na promessa de Deus que seremos reerguidos por ele; ao passo que para 
ti não haverá ressurgimento para uma nova vida" (7, 14).
Por sua vez a mãe 
dos heróis encoraja os filhos a sofrerem varonilmente o martírio, 
dizendo-lhes:
"Não sei como aparecestes no meu ventre; não fui eu quem vos 
dotou de respiro e de vida, nem formei os vossos membros. Mas o Criador do mundo 
que fez os homens e ordenou a origem de todas as coisas, restituir-vos-á, na sua 
misericórdia, o vosso respiro e a vossa vida, visto que por amor das suas leis 
não vos preocupais convosco" (7, 22-23).
A ambiguidade deste conceito 
reflecte-se mais adiante quando a mãe afirma que Deus criou o mundo ex nihilo , 
contrariando a tradição judaica, do Génesis, bem como as concepções do nascente 
Judaísmo helenístico, antecipando de certo modo o gnosticismo de Basilides 
(meados do século II d. C.):
"Imploro-te, meu filho, olha para a terra e para 
o céu e tudo o que há neles, e de como Deus os fez a partir do nada, e de como 
os humanos vieram à existência da mesma maneira" (7, 28).
Alguns teólogos - 
como por exemplo o professor Willem B. Drees da Universidade de Groningen, 
Holanda (cf. Beyond the Big Bang, 1990) - admitem que este versículo acusa uma 
nítida influência grega no contexto judaico do século II a. C. Essa influência 
das ideias gregas sobre o conjunto das concepções judaicas do mundo e da morte 
poderá igualmente observar-se na maneira de conceber a doutrina da reencarnação, 
ou preexistência das almas com sucessivos renascimentos, como parece confirmar o 
livro bíblico da Sabedoria, escrito no séc. I a. C. por um judeu culto da 
diáspora e que naturalmente reflecte as ideias do seu autor. Nele podemos 
ler:
"Recebi por lote uma alma excelente, ou antes, por ser bom, entrei num 
corpo sem defeito" (Sabedoria 8, 19-20).
"Porque um corpo corruptível pesa 
sobre a alma, e essa tenda de barro sobrecarrega o espírito com os seus 
cuidados" (Sabedoria 9, 15)
Os teólogos mais conservadores tentam demonstrar 
que estes passos não se referem a nenhuma forma de reencarnacionismo, e que a 
escatologia do livro da Sabedoria pode ser explicada por categorias 
exclusivamente judaicas sem recorrer às (óbvias) influências helenísticas que 
nele existem. Os exegetas laicos contra-argumentam que os teólogos bem podem 
considerar que não se trata de preexistência das almas, mas o que os teólogos 
consideram não anula o que lá está por mais que se empenham em demonstrar o 
indemonstrável, isto é, a não influência grega sobre o Judaísmo 
intertestamentário. O problema reside em que o livro da Sabedoria, considerado 
apócrifo pelo cânone judaico (e luterano) foi aceite como canônico pela Igreja 
católica no Concílio de Trento (1545-1563) ao mesmo nível dos restantes livros 
inspirados da Bíblia - e este é um ponto absolutamente indisputável para um 
teólogo católico. Daí os malabarismos retóricos e dialécticos a que a teologia 
católica mainstream se vê obrigada a recorrer, a fim de analisar, reler e 
reinterpretar aqueles textos e subjacentes conceitos até fazê-los encaixar no 
corpus dos dogmas da Igreja - nomeadamente, neste caso, o dogma da ressurreição 
da carne.
Para o Judaísmo farisaico a crença na ressurreição dos corpos é um 
artigo de fé da Mishnah:
Todos os Israelitas terão a sua parte no mundo 
vindouro […] E não terão parte no mundo vindouro aqueles que dizem que não há 
ressurreição dos mortos prescrita na Lei, e os que dizem que a Lei não é do Céu, 
e os epicuristas. (Sanhedrin X, 1), 
Já vimos que os saduceus rejeitavam 
a ressurreição dos mortos por não a encontrarem na Lei de Moisés (Torah), 
discordância que deu origem a muitas discussões e controvérsias: na literatura 
rabínica, talmúdica e midráshica podemos deparar com inúmeras opiniões 
diferentes sobre o destino da alma após a morte, a redenção messiânica, a 
ressurreição dos mortos, o mundo vindouro… como por exemplo se os mortos se 
recordam ou não do mundo que deixaram, com que corpo é que os ressuscitados (se 
é que ressuscitam!) irão eternizar-se, sobretudo os que em vida tiveram corpos 
malformados e doentes, ou se esses corpos se tornarão perfeitos, ou ainda se 
aparecerão nus ou vestidos, etc. Um dos textos midráshicos chega ao ponto de 
afirmar: "A única diferença entre os vivos e os mortos é o poder da fala" 
(Pesikta Rabbati XII, 46). Acerca daqueles de entre os fariseus que acreditavam 
na reencarnação, diz-nos Flávio Josefo: "… Concebem a alma como imperecível, mas 
só as almas dos bons passam para outro corpo, enquanto as dos maus sofrem um 
castigo eterno".
O filósofo judeu Fílon de Alexandria, contemporâneo de 
Jesus, argumentava que o corpo é uma coisa morta e um "conspirador contra a 
alma", e que a doutrina da ressurreição é secundária à da imortalidade da alma, 
e que no fundo o conceito de ressurreição não passa de uma maneira figurada de 
representar a verdadeira imortalidade espiritual. Modernamente, certas versões 
actuais do Judaísmo negam a crença na ressurreição a favor da doutrina da 
simples imortalidade, ou seja, afirmam que a ressurreição não deve ser tomada 
literalmente mas simbolicamente.
Enfim, não vale a pena adiantar muito mais 
para se perceber que já no tempo de Cristo vigoravam as concepções mais díspares 
e até opostas sobre os mistérios da vida, da morte e do além. Como os 
ensinamentos de Jesus sobre tais mistérios têm sido diversamente interpretados 
ao longo dos séculos - e ainda hoje -, importa ver um pouco mais de perto como é 
que esses ensinamentos ficaram registrados e que precauções exigem para a sua 
plausível 
decifração.
- Extraido de "Laboratório Mágico" , de Antonio de Macedo. Publicado pela Ed. Hugin, Lisboa, 2002.
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